Há 25 anos, José Raul Chiconelli, então presidente da SBCMão, abria o nosso V Congresso Brasileiro com estas palavras: "Depois que a mão de Deus criou o universo e todos os seres vivos, o homem, feito à sua imagem e semelhança, pode tornar-se pelo uso da mãos, uma das mais bem sucedidas criaturas, porque modificou toda a sorte de ambientes, mantendo-se bem sob as mais diversas condições. Quem por dever de profissão cuida da mão que sofre, da mão que adoece, da mão que se frustra na faina da vida de cada dia, é levado a meditar sobre a grandeza da mão, sobre a universalidade de sua missão, enfim, sobre a importância de sua própria existência como elemento fundamental na integridade e na harmonia do corpo humano". A íntegra deste discursso apolítico está nas páginas 72-73 do recém-lançado "50 anos de Cirurgia da Mão no Brasil" e permanece como o mais significativo de todos.
Para quem não o conheceu, o texto acima sugere que Chiconelli tenha sido um teórico apenas. Nada disso, o texto expõe de forma clara a alma e o grande coração de um dos mais queridos personagens da nossa especialidade. O Chiconelli trabalhava diuturnamente para amenizar o sofrimento ao seu redor. Pouco preocupado com a lucratividade, ele vibrava com os movimentos, a força de preensão, o retorno ao trabalho dos seus pacientes, cidadãos comuns. Daí, transferia seus conhecimentos aos colegas de convívio na SBCMão e na SBOT. Hábitos simples, nunca buscava os holofotes e anteviu o momento correto para dar o lugar aos mais jovens.
Discípulo de Danilo Gonçalves, treinou com Adrian Flatt no final dos anos 60, educou dezenas de cirurgiões de mão. Compartilhou o dia-a-dia profissional com Anderson Monteiro no HTO (hoje INTO) e no Hospital da Polícia Militar do Rio de Janeiro, seu lugar-querido, e com o José Mauríco do Carmo, Fuad Kalil e Francisco Godinho no consultório. Foi um dos "motores" da SBCMão nos anos 70 e 80. Nuca abandonou o postura de simplicidade trazida da sua querida Utuverava. Atleta multi-esportivo. Leitor voraz. Amigo fiel. Com a esposa Beti e os filhos Alex, Rufo, e Bernardo, construiu um lar harmonioso.
Meu primeiro, e ainda tímido, contato com ele foi em 1984. Ao me apresentar, disse-lhe: "Dr. Chiconelli, já li muitos artigos seus e ...". Ele retrucou: "Lech, me chame de Chico. Você não deve ter aprendido muito com a leitura, já que estás chegando do Kleinert..." Naquele momento ele ganhava um admirador.
A simplicidade do "Chico" Nelli tornou-o ainda maior.
Resquiast in Pace, querido amigo e mentor.
Osvandré Lech
Passo Fundo, Outubro de 2010.