Há tempos tento responder a esta pergunta: "Por que o autor nacional não cita a bibliografia nacional?" . Quanto mais discutia o assunto com colegas, mais se envolvia. A nossa Revista Brasileira de Ortopedia publicou 172 artigos em 1993, em que constam 2.707 referências bibliográficas (apenas 6% dos autores brasileiros e 94% de autores estrangeiros). No mesmo período, o Americam Journal of Sports Medicine publicou 156 artigos com 3.212 referência (88% de autores americanos e apenas 12% de autores estrangeiros). O mesmo perfil do AJSM se constata em outras publicações do primeiro mundo. Por que esta absoluta inversão? O propósito não é o mesmo - apresentar nossos resultados comparando-os aos já publicados?
Constatei algumas causas por esta situação:
a) segundo Flávio Hanciau, de Rio grande, ocorre um "torcicolo cultural" em nossa literatura, na qual os autores nacionais tem necessidade de citar estrangeiros para conferir "veracidade" ao seu trabalho - este é um comportamento típico do Brasil Colônia;
b) o fenômino de "terceiromundismo" ocorre pela falta de confiança e desorganização, necessitando de um autor "abonador do primeiro mundo" para que o artigo seja respeitado;
c) Heitor Ulson, de São Paulo, cita a ausência de indexação da literatura médica brasileira;
d) na bibliografia ortopédica, os resultados são "otimistas demais" na avaliação dos resultados; basta lembrar a surpresa que um palestrante estrangeiro teve recentemente em um dos congressos, quando um autor local apresentou resultados melhores que os seus próprios...;
e) embora negada, existe uma "concorrência implícita" entre os autores. Observe que não existem artigos ou apresentações com autores de diferentes serviços ou cidade, em sistema de estudo multicêntrico. Costuma ser difícil a formação de uma mesa-redonda devido aos aspectos "políticos" envolvidos. Nossa ortopedia é absolutamente solitária;
f) a reconhecida deficiência de pesquisa e ensino de ciência básica nas instituições.
Interessa reverter esse quadro? Claro que sim, pois ele demonstra e acentua nosso atraso cultural e científico!
Quais são os caminhos a seguir? Existem muitos, entre eles:
a) a edição do índice Remissivo da RBO de 1966 a 1993, que foi organizado por uma equipe liberada pelo Dr. Arlindo Pardini Jr., de Belo Horizonte, e que já está á disposição - não haverá mais desculpas para "não ter achado a referência";
b) melhorar a qualidade da avaliação dos nossos resultados através de uma autocrítica mais consistente ao nosso trabalho;
c) estimular a atividade multicêntrica, proporcionando maior integração entre os 102 serviços de Ortopedia;
d) estimular através de métodos simples e racionais a pesquisa e o estudo das ciências básicas.
Assim como a onda dos importados já dá lugar à livre opção aos produtos brasileiros - muitas vezes melhores que os similares do primeiro mundo - devemos inverter esta situação e valorizar a rica bibliografia ortopédica nacional, antes que outros o façam...(Rev Bras Ortop - Vol. 29, Nº 9 - setembro, 1994)