O entrevistado desta edição é o Dr. Osvandré Lech, gaúcho de Passo Fundo, colega conhecido no meio ortopédico brasileiro, os contrastes que o caracterizam são, no mínimo, interessantes:
É chefe da Residência Médica no mesmo serviço que chegou a pensar em desligá-lo quando era R2. Suas conferências são ouvidas com interesse nos grandes centros, embora resida numa cidade de 160 mil habitantes, onde pousam apenas dois aviões por dia. Realizou 3 Fellowships nos EUA (ortopedia, mão e microcirurgia, ombro e cotovelo) e antes disso fez toda a formação apenas em Passo Fundo. A impressão inicial é de um show-man, mas o convívio demonstra que se trata de colega legal e sempre disposto a ajudar e ouvir. Divide a semana de trabalho em Passo Fundo e Porto Alegre - em ambas as cidades atende do favelado à elite social, e 60% dos ortopedistas; possui apenas 12 anos de carreira científica, mas já escreveu muito (40 artigos, 05 capítulos, 03 livros). "Fundamentos em Cirurgia do Ombro" já esgotou a primeira edição de 9.000 volumes.
Possui idéias firmes como: necessidade de maior atenção à pesquisa ortopédica básica, incentivo à publicação de trabalhos multicêntricos ("trabalhamos em ilhas no Brasil"), incentivo a citação dos autores nacionais ("Realizamos autofagia nacional e promovemos o desconhecido autor nacional"), crítico severo aos autores que apresentam resultados próximos à perfeição ("É raro publicar qualquer índice abaixo de 90% de excelentes resultados no Brasil"). Foi durante o primeiro Congresso Brasileiro de Cirurgia do Ombro e Cotovelo, realizado em São Paulo em Maio passado, que conversamos com o colega Osvandré Lech.
Dr. Osvandré Lech: Dois fatos devem ser lembrados:
1) Se conselho fosse bom não seria gratuito...;
2) Um dogma da psicologia ensina que as idéias sobre como agir devem ser auto-construções feitas a partir das próprias experiências. Se alguém te sugere o que fazer e tu adotas imediatamente aquela idéias, estarás agindo sem investir o teu sentimento e a tua percepção, sendo, portanto, inautêntico. Quero dizer com isto que no processo de aprendizado, a experiência pessoal é muito importante. Vou resumir esta resposta, que é muito ampla, numa série de "pontos essenciais".
Não menospreze a inteligência do paciente privado - ele percebe quando está sendo enganado (cobrança excessiva, tratamento desnecessário, ou insegurança do médico); o início da carreira deve ser suave, quase imperceptível, já que os teus colegas estabelecidos não pensam em "perder o mercado". Consultório ou clínica com mobília nova e "tecnologia de última geração" é pura enrolação! O paciente quer ver resultados e para tal só tem um caminho: estudar todos os dias, ir a alguns congressos (não muitos!), reciclagem profissional em bons centros médicos (30 dias a cada 1-2 anos é suficiente). Faço isto desde que conclui a residência e tem sido a chave do meu sucesso científico; manter-se atualizado em Ortopedia exige muito esforço. Ler muito sobre temas de psicologia, gestão pessoal, é otimismo, já que os pacientes querem ver no médico a figura da pessoa feliz e capaz de resolver o seu problema: "Availability, Amability, Ability" (disponibilidade, amabilidade e habilidade - nesta ordem) - palavras de ouro que aprendi com Harold Kleinert, cirurgião da mão , americano, logo que iniciei os estudos no EUA em 1982; boa apresentação pessoal, boas maneiras, e comunicabilidade interpessoal são requisitos necessários para o sucesso em grupo, e o grupo optou por sub-especialidades, RESPEITE O COMBINADO. Mesmo que o "entorsezinho" seja o milionário do teu vizinho... encaminhe o caso ao colega da especialidade dai poderás exigir os casos da tua especialidade. Convém lembrar que o ortopedista "amplo, geral e irrestrito" acabou na década de 80. É impossível "saber tudo". Os pacientes já estão orientados sobre isto. Jamais critique (mau) tratamento anterior a que o paciente foi submetido. Seja discreto. Evite polêmicas e angústia adicional do paciente - isto não vai melhorar as coisas. Não faça inimigos no meio médico. Felizmente aqui no sul do país já vai longe o tempo em que o professor famoso dizia irado em frente ao paciente: "Este RX tá uma merda! Quem fez isto?" para com esta idiotice de dizer que "eu só tenho excelentes resultados" . Ou estás mentindo ou não trabalhas. Os teus colegas percebem este mecanismo de defesa e acabas caindo em descrédito científico. Procurar uma área economicamente estável para trabalhar. Este país está cheio de oportunidades e nós devemos entender de "fluxo de capitais". Comunique-se com os colegas que te encaminham pacientes. Use o telefone ou carta. Eles esperam o teu retorno, ou mesmo o paciente de volta logo após a conclusão do tratamento. Eu uso o método americano, escrevendo 10-15 cartas por semana, já que não gosto de interromper o colega com telefonemas.
OL: não se afobe. Ninguém se estabelece no mercado médico em menos de dez anos , seja qual for o tamanho da cidade. Necessitamos de algo muito difícil de ser conquistado - credibilidade e notoriedade. Convém lembrar que médico não é como jogador de futebol. Nós temos muitos anos de carreira pela frente.
OL: Não se negue a atender aos menos favorecidos. População pobre vai existir sempre. Atos de caridade ou boa vontade jamais competirão com a clínica privada. É importante mantermos uma atitude de cordialidade junto à opinião pública. Conheço uma geração inteira de colegas "que só atendiam particular" na década de 80 os tempos mudaram e eles acabaram retornando ao "caldeirão".
OL: A minha grande casuística está ainda por ser escrita. São milhares de casos de cirurgia de membro superior (mão, microcirurgia, cotovelo e ombro). A organização ainda não é ideal. Os casos vêm de clínica privada apenas (Perto Alegre) e mista (Passo Fundo). O Gilberto Camanho conheceu com detalhes a organização do nosso serviço em Passo Fundo> lá convivemos com "as duas pontas do iceberg". (Atendemos 150 pacientes/dia - 75% SUS, 15-20% convênio AMB, 5-10% particulares).
OL: O ortopedista brasileiro de médio e bom nível ganha muito bem e faz que não sabe. Na Bélgica o I.R. chega a 60%, no Japão 70% dos colegas são "assalariados universitários" com US$ 5 a 7 mil por mês, a Europa e Canadá imersos na "medicina socializada". O colega americano ganha em média US$ 150-400 mil ao ano; (em universidades é a metade). O nosso problema é achar que todo americano ganha como o James Andrews, Insal, Neer, Haris, Michael Jackson, Júlia Roberts...
- E se frustra se não ganha igual! (há, há, há).
OL: Não tenho dados estatísticos corretos, mas presumo que 80% dos processo por erro médico contra ortopedistas ocorrem entre os pacientes do SUS. Segundo o DR. Marco Mattos, hábil advogado especializado em leis da área da saúde que atua em Passo Fundo, a assistência jurídica gratuita contribuiu para isto. Segundo o Dr. Mattos acompanha trinta processos de erros médicos, dos quais oito já concluíram. Destes, em nenhum caso houve condenação médica, ficando comprovada a atitude correta adotada pelos colegas durante a atividade profissional. eu tenho um processo contra mim em andamento; a origem é conhecida: resultado insatisfatório.
OL: Procuro não manter convênio com a maioria das empresas de medicina de grupo (a revista Veja da primeira semana de maio mostra na capa a "Medicina cara". Lá a gente vê para onde vai o lucro). A livre negociação de honorários deve ser mantida com o paciente, e cabe a ele buscar ressarcimento no plano de saúde. Todos os ortopedistas de Passo Fundo se reuniram em torno da "Coopertrauma", partir da afirmação óbvia de que "a união faz a forço". Estamos rediscutindo os valores das tabelas com os nossos "pagadores". É impressionante a fragilidade das nossas relações de trabalho: somo autônomos , mas nos obrigam a atender. Os preços são impostos ou desatualizados sem qualquer discussão. Volte e meia o SUS decide "cortar 25% da fatura" e não manda nem explicação. Convênios atrasam sem o pagamento e fica por isto mesmo. Ô meu, voltou a época da senzala!
OL: Sou um grande entusiasta da Central de Convênios da SBOT. Precisamos ter força política suficiente para impor os nosso valores profissionais, sem abusar. A questão é que órgãos fiscalizadores do governo já mostraram a sua truculência, como no caso da suspensão da nossa tabela AMB. A briga promete ser ferrenha, e devemos estar preparados para tal. A união e a posição forte da nossa classe precisa falar mais alto.
(Jornal da SBOT, Ano 2, Nº 3, JUL/AGO, 1996)